DIÁRIO DE GUERRA: FÚRIAS DE BUMBÁS E A PROVIDÊNCIA PACÍFICA DO DIVINO
Neste último sábado e domingo, 26 e 27 de maio, encerram-se as celebrações religiosas
da tradicional Festa do Divino da Pérola do Mamoré, com a realização da
cerimônia do levantamento do Mastro e de um grande arraial montado no pátio da
Igreja dedicada ao Divino.
Na reta final,
a festa do Divino de Guajará-Mirim reúne por volta de duas mil pessoas, entre
romeiros e visitantes, seguidores fiéis desta tradicional atividade religiosa e
turística realizada em terras da Pérola do Mamoré.
Havia me
preparado para explorar ao máximo os festejos do Divino de Guajará, ‘clicando’
tudo que passasse pela frente das lentes da objetiva, de forma que fosse
possível contribuir, dando mais e maior visibilidade para o Divino da Pérola.
Nem tudo sai
como o planejado. No sábado estive na Igreja do Divino, localizado no bairro
São José. Fique surpreso com a quantidade do público ali presente. Com a
objetiva, fiz vários flagrantes da festa e da devoção do povo ao Divino.
Domingo, 27,
foi o último dia desta grande festa religiosa. Separei a máquina fotográfica,
caneta e bloco de nota para colher o máximo de informações durante o acompanhamento
da procissão que eu pretendia fazer de bicicleta, enquanto efetuava o registro
do cortejo do Divino, que percorreria por algumas ruas da cidade.
Porém, minutos
antes da hora marcada recebi uma convocação para participar de uma missão
delicada, envolvendo artistas e diretores do Boi do bairro Tamandaré. A ação
era simples: encerramento de contrato rompido entre artista e a agremiação
vermelha.
A negociação,
que parecia ser simples, ganhou moldura tensa, nervosa e demorada. Aos poucos, a
conversa descambou pelas veredas obscuras das acusações, das baixarias, do
bate-boca e da lavação de roupa suja.
O artista com
o qual se negociava, em um impensado rasgo de atitude emocional, resolveu
convocar para sua defesa, a Diretoria do boi contrário que em pouquíssimos
minutos chegou e entrincheirou-se em frente da residência onde se dava o
embate dialógico.
E foi assim que se compôs o cenário de guerra:
de um lado, sitiados dentro da residência estavam a Presidente, eu e o filho da
ex-presidente do bumbá vermelho e branco, acompanhados do artista rebelado, sua
auxiliar e amigos. Do outro lado, ferozmente entrincheirados, a titular do
exército Azul e Branco e seus fieis escudeiros, bravejando farpas dos mais
variados calibres e ameaçando invadir a residência.
O clima era
hostil, de combate feroz. Sem brincadeira nenhuma, o cenário de pré-guerra
começou me deixar nervoso. Um calafrio ziguezagueava todo meu corpo. Nunca
tinha estado antes em um front de
batalha. O que fazer? As negociações por mim intermediadas, para retirada
pacífica de todas as tropas, tanto do lado vermelho quanto do lado azul, foram
em vão. Falharam.
O termômetro
subia a cada minuto. Estávamos em desvantagem numérica, mesmo considerando um
reforço em nossas tropas, enviado de última hora, para nos socorrer: três bravos
soldados da flâmula vermelha. Dois tão magrelos que, somados seus pesos deveriam
chegar em 80 quilos, no máximo. O outro baixinho e buchudinho. Não sei se seria
possível enfrentar o inimigo com êxito, pelejando com um exercito deste calibre:
dois pinguços e um cara de carola. Porra!
Foi quando,
repentinamente, tive a ideia de recorrer ao Divino. Pedir sua intercessão.
Queria saí dali vivo, inteiro. Não pensei duas vezes e fiz minhas promessas.
Não quero nem
saber se ano que vem, ao final da procissão do último dia das celebrações do
Divino, se terei ou não as rótulas dos joelhos, de tanto esfrega-los no chão: antes
com a perna dura do que morto.
Queria o fim
do conflito armado. Sair-me daquela enrascada, de preferência inteiro, nem que
para isto tivesse de fazer algumas concessões, entregar alguns anéis e dedos,
negociar o que fosse possível, inclusive o que você esta pensando, caro leitor.
Não seria a primeira vez, na história da humanidade, que a paz se selaria na
alcova.
Minhas preces,
por vias tortas, foram atendidas. O Divino me ouviu e me mostrou uma saída,
clamei!
Por alguns
minutos, a armada azul e branca se retirou do cenário de guerra, indo combater em
frente ao Palácio Residencial de nossa presidente. Neste momento articulei um
discurso e convenci nossa tropa se retirar do interior da residência, o que foi
feito.
O final desta
história, caros leitores e amantes da brincadeira de boi-bumbá, é que as duas
diretorias foram parar na Delegacia de Polícia, registrando ocorrência contra a
sua respectiva agremiação arquirrival.
Resumo da
ópera: depois de muito bate-boca, chiliques e nervosismo, o fato é que ninguém
invadiu residência nenhuma e nem ninguém esbofeteou ninguém. Entre mortos e feridos, sobreviveram todos. Vale, então, o
dito popular: passarinho que come pedra sabe o cú que tem!
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