Ernande Segismundo (*)
Ernande Segismundo e sua esposa Luciana |
A postura do Prefeito
Municipal neste episódio foi motivada por relatos da Defesa Civil, Polícia
Militar e Corpo de Bombeiros dando conta de inevitável dilúvio no período de
Carnaval que redundaria numa catastrófica hecatombe na Capital do Estado,
situação evidentemente incompatível com brincadeiras de carnaval e que, ao final,
não se confirmou visto que entre sexta-feira, 28 de fevereiro e 04 de março,
terça-feira gorda de carnaval, praticamente não choveu na região de Porto Velho
e nada foi alterado em relação às enchentes do Madeira.
Na reunião do Gabinete de
Gestão Integrada que atua em casos de crises, que ocorreu no dia 25.02.2014 na
Secretaria de Segurança Pública para tratar da suspensão do Carnaval, todas as
Forças Públicas diziam que estariam com a totalidade de seus efetivos
envolvidos no apoio às vítimas das enchentes e ante tal situação não poderiam
dar suporte às festividades momescas, motivo pelo qual, de fato, os folguedos
deveriam ser suspensos.
No dia 26.02.2014 o
Ministério Público do Estado entrou com Ação Civil Púbica contra os Blocos de
Carnaval requerendo Liminar para que o Poder Judiciário proibisse todos os
blocos de desfilar nas ruas, bem como fosse igualmente proibido qualquer
aglomeração de pessoas no período de Carnaval em Porto Velho, o que equivaleria
á decretação do ‘Estado de Sítio’ previsto nos artigos 137, 138 e 139 da
Constituição Federal e de competência exclusiva do Presidente da República.
A catastrófica hecatombe
apocalíptica anunciada pelo Prefeito, pela PM, pelo Corpo de Bombeiro e,
sobretudo, pelo Ministério Público não aconteceu. Pelo contrário, vivemos no
período de Carnaval uma tranquila estiagem. As pessoas desabrigadas pelas águas
já estavam todas agasalhadas em casas de parentes – como minha irmã que mora no
Bairro Nacional e o sambista e carnavalesco Cristóvão que também se abrigou na
casa de parentes – ou nos locais disponibilizados pelo Poder Público.
Bloco Pirarucu do Madeira |
Aproveito para trazer à tona
uma informação que vai na contramão do argumento terrorista de que o carnaval
aumenta consideravelmente os índices de violência.
Segundo, dados oficiais, nos
sete dias em que houve carnaval em 2013 foram registradas 790 ocorrências. Esse
ano, em que o carnaval popular foi suspenso registraram 632. Vale destacar, que
o crime de lesão corporal dolosa, mais comum no período momesco, saltou de 85
para 103.
Toda essa celeuma em torno
do Carnaval de Porto Velho, sobretudo a sua curiosíssima suspensão na verdade
não se deu em razão de cheias ou desabrigados, mas sim em razão de um clima de
latente e preocupante radicalismo em nossa sociedade com traços de
fundamentalismo e intolerância de algumas pessoas com o comportamento ou a vida
de outros, a ponto de não se aceitar o outro como o outro é, do jeito que o
outro se comporta, pelo simples fato de ser diferente e, portanto, inferior,
como se a única visão correta do mundo e das coisas fosse aquela que se julga a
correta
Essa perigosíssima intransigência
alimenta a ideia de que aquilo que não serve ao meu conceito de vida, não serve
a mais ninguém e por isto mesmo merece e deve ser combatida com todas as armas
que se dispõe nas mãos e se a pessoa, por alguma razão, ocupa algum cargo ou
posição relevante na sociedade, vale utilizar todas as prerrogativas desse
cargo ou dessa posição social para o combate àquilo que julgamos incorreto por
razões éticas, morais ou religiosas
Banda do Vai Quem Quer |
Foi assim, com essa
concepção vesga e rude do mundo que membros do Ministério Público da Capital combateram
ferozmente eventos populares de massa desde há alguns anos como a ‘Cavalgada’,
a ‘Expovel’, o Festival Cultural ‘Flor do Maracujá’ e, finalmente o ‘Carnaval
Popular’ em nome da falsa defesa da coletividade expressada em direitos difusos
e coletivos e de bens juridicamente tutelados.
Por tudo isto, o Ministério
Público vem prestando indiscutível desservido à nossa comunidade, contribuindo
enormemente para desarticular, desmontar e apagar toda a nossa memória cultural
por razões jurídicas mediadas pela ignorância e pelo preconceito, vez que negar
o contorno estético e o conteúdo cultural do ‘Boi-Bumbá’, das ‘Quadrilhas’,
assim como dos ‘Folguedos de Carnaval’ e ‘Escolas de Samba’ que ocorrem há
tempos imemoriais em Porto Velho é agredir a nossa comunidade do modo mais
patogênico e virulento, muitas vezes, repito, sob a lente de preceitos
religiosos.
A Constituição Federal prevê
no seu artigo 127 que cabe ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do
regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
Desfile das escolas de samba de Porto Velho |
Sucede que a mesma
Constituição Federal dispõe em seu artigo 215 que o Estado garantirá a todos o
pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional,
e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.
Como se não bastasse, a Constituição Federal dispõe ainda em seu artigo 216 que
constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e
imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à
identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade
brasileira, nos quais se incluem as formas de expressão e os modos de criar,
fazer e viver.
Indiscutível portanto que
nossas manifestações lúdicas e culturais como a ‘Cavalgada’, a ‘Expovel’, o
‘Flor do Maracujá’, a ‘Banda do Vai Quem Quer’ e o nosso carnaval como um todo,
do modo como expressamos, fazemos e vivemos, por mais que pareçam para alguns
membros do Ministério Público, da Polícia Militar, do Corpo de Bombeiros e da
Prefeitura Municipal de Porto Velho como práticas sociais inferiores, é nossa
expressão simbólica coletiva e se acha rigorosamente protegida pela Magna Carta
Política da República.
Deste modo, ignorar esta
realidade jurídica é militar contra os preceitos fundamentais da nossa
Constituição e quando o Ministério Público nos ataca de modo preconceituoso,
cruel, sistemático e seletivo ele está atuando contra a Constituição Federal e
isto tem limite, pois a ação civil pública proposta por seis promotores de
justiça para criminalizar o Carnaval de Porto Velho em nome de mera hipocrisia
preconceituosa constitui provavelmente o capítulo mais melancólico e vergonhoso
da história da Instituição.
Que fique categoricamente
claro. Nós que militamos nos diversos movimentos e entidades culturais de Porto
Velho não aceitaremos daqui em diante ser tutelados por membros do Ministério
Público em coisa alguma. Pois quem tutela a cultura popular do nosso País em
todas as suas expressões míticas, simbólicas e comportamentais é a Carta Magna
da República e não preconceitos intolerantes e xenófobos encastelados na
burocracia estatal.
Ernande Segismundo |
Nenhum comentário:
Postar um comentário