Por Fábio Casara (*)
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Já passou
muito tempo e durante todo esse período a população da região de Guajará-Mirim
e Nova Mamoré, porque não dizer, de toda a mesorregião Madeira-Guaporé, já que
a trajetória histórica foi a mesma, ficou inerte frente a uma política
institucional que impôs, para a região, um papel de área de compensação
ambiental para a mesorregião Leste Rondoniense, entende-se, o eixo da BR-364,
que é considerado o mais desenvolvido do Estado. Porém, esquecem que a região
foi, um dia, de extrema relevância para a história do Brasil e do mundo. Para
os mais desavisados, a construção do Forte Príncipe da Beira, no século XVIII,
por ordem do Marquês de Pombal, símbolo o fim ao Tratado de Tordesilhas, de
1494, e o início de uma nova ordem geopolítica pela assinatura, entre os reis
de Portugal e Espanha, do Tratado de Madrid, de 1750. O que isso representou?
Simplesmente representou a anexação de quase a totalidade da Amazônia ao
domínio português e nossa região foi palco desse importante acontecimento
histórico. Com a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré (EFMM), mais uma vez seríamos
personagens centrais desse episódio de extrema relevância para o Brasil e para
o mundo. Como todos sabem, a assinatura do Tratado de Petrópolis, de 1903,
permitiu a anexação do território do Acre aos domínios do Brasil e, com esse
ato, se definiu as bases territoriais do país. Portanto, a região do
Madeira-Guaporé esteve diretamente ligada aos importantes acontecimentos que
ajudaram no desenho político institucional do Brasil e de Rondônia. Com a
economia da borracha, a região ganhou importância geopolítica e com o seu fim,
viu-se esse poder sendo transferido para a BR-364, apoiada na economia
agropecuária.
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A década de
1970 representou o início dos grandes movimentos ambientais no mundo. Em
Rondônia não seria diferente. Assim, com a pressão, inclusive internacional, os
olhos do mundo passaram a enxergar as grandes obras de infraestrutura em
andamento no Território, naquela época, como ameaça aos princípios que se
convencionou chamar de “desenvolvimento sustentável”, ou seja, a BR-364. Coincidentemente,
tal período correspondeu à desativação definitiva da Estrada de Ferro Madeira Mamoré.
É exatamente aqui que começa a nossa cruz. Sob o enfoque do desenvolvimento
sustentável, políticas foram instituídas na região com vistas a minimizar a
pressão internacional, principalmente a respeito da rodovia federal em vias de
construção. Embora os técnicos do antigo PLANAFLORO venham argumentar a questão
da pobreza dos solos como principal fator, o fato é que grande parte das
unidades de conservação e terras indígenas em Rondônia passaram a ser
institucionalizadas em Guajará-Mirim e região, levando, no caso desse
município, a representar, aproximadamente, 92% de toda a sua extensão
territorial que, por sinal, é gigantesca. É Lei. A regra foi posta. Cumpra-se.
Mas, nesse processo, esqueceram que a lógica do desenvolvimento sustentável não
é só o econômico ou o ambiental ou o social, de forma isolada. Quando se olha
Rondônia como uma pizza interia, talvez alguns possam até concordar que há um
processo de desenvolvimento sustentável em curso, já que o Estado se desenvolve
e também preserva. Todavia, quando o olhar se concentra em nível local,
percebe-se que há uma verdadeira desigualdade regional reinante no Estado, o
que coloca em risco o desenvolvimento sustentável em Rondônia. Assim, é
possível verificar que o desenvolvimento fica restrito à mesorregião Leste
Rondoniense (BR-364) enquanto o ambiental se concentra na mesorregião
Madeira-Guaporé. Desse modo, enquanto no primeiro, o aspecto econômico é forte,
por outro lado, o aspecto ambiental carece de apoio. Da mesma forma que, no
caso do segundo, onde o aspecto ambiental é forte, porém, com um bolsão de
pobreza incrustado no seio da sociedade, por falta de alternativas econômicas.
Podemos falar de desenvolvimento sustentável nesse formato? Enquanto não se
entender que o processo se dá em nível local, não se conseguirá sair dessa
situação calamitosa. E como a história molda a sociedade e esta molda a
política e a política reproduz a trajetória de modo que todos a permaneçamos
nela, é preciso que a sociedade reaja de forma concreta. Sem o capital social
fortalecido internamente não conseguiremos construir uma base solidificada para
que, num só coro, se entoe aquilo que é importante para o desenvolvimento da
região. Contudo, não é qualquer desenvolvimento que interessa à região, já que
detemos grande parte das áreas legalmente protegidas do Estado.
Ramais alternativos entre os Distritos de União Bandeirantes e Nova Dimensão |
A questão da BR-421
é importante, pois representa uma saída para o isolamento, principalmente nesse
momento de crise em decorrência das enchentes, fato que ocorre de tempos em
tempos. É preciso uma solução definitiva para que não venhamos a sofrer
novamente com esse episódio em 2024, 2034... Mas, pergunto a toda sociedade, é
só isso? Queremos só isso? O isolamento se dá somente pela estrada? Precisamos
sair do isolamento institucional também. Não queremos que nos tratem como
pedintes, como mendigos, como coitadinhos. A sociedade também precisa ter
postura digna e carregar esse sentimento no sangue, temos que reagir. Sozinhos,
não somos nada. Vivemos todo esse tempo de forma isolada e veja onde estamos
hoje. Muitos, a princípio, de forma acalorada, vão colocar logo culpa em
políticos de fora, como se os de dentro fosse imune a críticas. E, nós, não temos culpa? A sociedade sabe
concretamente o que quer? Sabemos que modelo de desenvolvimento seguir? Isso é
política. A política está em tudo. Muitos, talvez, confundam política com
politicagem. Não é isso. Quando deixamos de participar de reuniões importantes,
quando nos omitimos desse papel, sempre haverá alguém ou um pequeno grupo que
irá se apropriar desse espaço e, em nome da coletividade, irá impor suas
vontades. A Democracia tem disso.
Escassez de combustível em Guajará-Mirim, foto Ariel Argobe |
As sociedades
que acordaram para a importância das ações coletivas, em aspectos como
confiança, governança e solidariedade, são fortes, o desenvolvimento acontece
com mais força. O contrário também é verdadeiro. Então, não adianta achar um
culpado, se o maior culpado somos nós mesmos. De que adianta vir um Ministro,
um Presidente, um Senador, um Deputado Federal se nós, como coletividade,
demonstramos sempre conflitos de interesse internos? Os encaminhamentos não
podem ser feitos exclusivamente por instituições isoladas. Infelizmente, nossa sociedade
é individualista e como as organizações são ocupadas por pessoas, tendem,
também, as mesmas, a se comportarem como tal. Todos nós precisamos entender que
o capital social é o motor da economia, não o contrário. O problema de
Guajará-Mirim, em especial, não é econômico, é social. Pois o econômico é
consequência do social. O que vivemos atualmente é reflexo de nosso poder
social. A culpa não é de político A, B ou C. É nossa. O que procuro nesse
momento de crise é alertar para importância da união. Não só nesse momento em
que estamos vivendo, mas que esse fenômeno das enchentes sirva para mostrar a
todos que temos que nos unir sempre.
Queremos
participar do processo de desenvolvimento do Estado e do Brasil. Não queremos
esmolas. Simplesmente, o nosso processo de desenvolvimento tem que estar
embasado no contexto do desenvolvimento sustentável, portanto, é preciso
fortalecer as instituições em nível local. Precisamos ver em nossa região, a
presença física da EMBRAPA, da CEPLAC, do INPA, do MUSEU GOELDI, da ANA, da
SETUR, etc... O que não queremos é cometer os mesmos erros cometidos no passado
em razão do progresso a qualquer custo. É inadmissível, em uma região com
grandes áreas preservadas, como a nossa, não se observar a presença de
instituições ligadas à ciência e tecnologia. Acorde sociedade! A BR-421 é
apenas o primeiro passo em busca dessa união. Ela não se esgota em si mesma.
Manifestação SOS Guajará, em 7 de março de 2014 |
Manifestação SOS Guajará, em 7 de março de 2014 |
*Fábio Robson Casara Cavalcante é Engenheiro Agrônomo, Doutor
em Desenvolvimento Socioambiental e Professor do Departamento Acadêmico de
Ciências Sociais e Ambientais (DACSA) do Campus da UNIR de Guajará-Mirim.
Se chegamos ao fundo do poço, com todas esta situação caótica, temos que dar um impulso para sair!
ResponderExcluirNesse momento...indígenas buscam a abertura da estrada que passa pelo parque...em direção a BR 421....Na contramão do argumento e da justificativa do MPF...Os índios presentes no Distrito de Nova Dimensão são favoráveis a abertura da estrada "proibida"....
ResponderExcluirAs palavras do Dr. Casara reforçam nosso movimento em direção ao foco alternativo para a saída do isolamento....O foco BR 421 é a referencia inicial pra além da estrada....para o projeto de desenvolvimento econômico, na perspectiva da sustentabilidade...
Assim, a visão indígena se completa com a curiosidade epistemológica e escrito científico do representante do Departamento Acadêmico de Ciências Sociais e Gestão Ambiental do Campus Universitário de Guajará mirim da Universidade Federal de Rondônia...o que vem legitimar os reclamos sociais expressos nos movimentos sociais e nas ações políticas em favor da abertura da estrada que liga Nova Dimensão a Jacinopolis, interligando Guajará-Mirim, Nova Mamoré, Buritis, Campo Novo, Monte negro, Ariquemes e o resto do mundo.....tirando cidadãos...brasileiros, bolivianos.... índios... do isolamento geográfico...