(Retomando a discussão sobre o coreto da praça Mário Corrêa)
Praça Mário Corrêa, em Guajará-Mirim, tendo ao centro o coreto (foto histórica) |
Correto da Praça Mário Corrêa, Gujará-Mirim; telhado destruído (foto Ariel Argobe) |
Além do blog Cultura, Política & Cidadania (do próprio autor), o texto também foi publicado em jornal on-line da cidade (Portal Guajará), onde alguns leitores assíduos do periódico local, registraram suas opiniões sobre a iniciativa de se publicar um texto denunciando a criminosa demolição da cobertura do coreto da Praça Mário Corrêa. Em nenhum momento os comentários e opiniões entram na questão central do tema denunciado. Ao contrário, as opiniões são verdadeiros esculachos, total aloprações contra a pessoa ou o texto (nunca focando o mérito), do tipo: infeliz, lamentável, desnecessário, recalcado, lambaio, imbecil, sem noção, dentre outros impropérios.
Os mais afoitos chegam mesmo a afirmar, em um verdadeiro rasgo de alopração insana e irresponsável, que o coreto – legítimo patrimônio histórico ainda não classificado administrativamente pelo ente municipal ou estadual como peça patrimonial da cidade - “não é tombado” de forma que “se alguém quiser, pode até demolir o coreto e fazer um chafariz, que não será crime”.
Sublinhe-se aqui que a ação para transformar um bem móvel ou espaço público urbano em referência histórica e memória de uma sociedade é, tão somente, uma necessária iniciativa administrativa para se reconhecer o bem enquanto patrimônio cultural tombado e protegido. Na verdade, são os aspectos históricos (considerando-se tempo e espaço), estéticos, artísticos, formais e técnicos que fazem um bem alçar a condição de patrimônio cultural protegido por lei.
Sobre imprudente e leviana afirmação de se poder demolir uma edificação histórica por esta não ser administrativamente tombada, trago à luz do bom senso, o estabelecido no caput do Artigo 2016 da Constituição Federal de 1988, e seus incisos:
“Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico”.
Destaco ainda os seguintes parágrafos do mesmo artigo:
“1º O poder público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação”; e “4º Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos, na forma da lei” (grifo nosso).
A Carta Magna do Estado de Rondônia, em seu artigo 206 repete na integra o artigo 2016 da CF, bem como seus respectivos incisos e alíneas.
“1º O poder público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação”; e “4º Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos, na forma da lei” (grifo nosso).
A Carta Magna do Estado de Rondônia, em seu artigo 206 repete na integra o artigo 2016 da CF, bem como seus respectivos incisos e alíneas.
No campo da criação de instituições públicas e dos marcos legais para proteção do patrimônio cultural nacional, em 1933 foi criada a Inspetoria de Monumentos Nacionais (IMN), primeiro órgão voltado para a preservação do patrimônio no Brasil. As atividades da IMN encerraram em 1937, quando da criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), pela Lei nº 378, de 13 de janeiro de 1937, posteriormente denominado Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).
O IPHAN é uma autarquia federal do Governo do Brasil vinculada, hoje (após reforma administrativa do atual governo), ao Ministério da Cidadania, sendo o órgão responsável em orientar, fiscalizar, divulgar e preservar o patrimônio cultural material e imaterial brasileiro, além de garantir a utilização desses bens às gerações de hoje e furas. Em sua estrutura, o IPHAN comporta 27 superintendências estaduais que respondem pela coordenação, planejamento, operacionalização e execução das ações do IPHAN nas unidades da federação.
Real Forte Príncipe da Beira, Costa Marques (foto da internet) |
Estação Telegráfica construída pela Comissão Rondon, Ji-Paraná (foto colhida na internet) |
Estação Telegráfica construída pela Comissão Rondon, Vilhena (foto colhida na internet) |
Ainda sobre instrumentos balizadores no âmbito das unidades federativas, existem os órgãos estaduais e municipais responsáveis pelo desenvolvimento e fiscalização da política pública de preservação, manutenção, divulgação, fruição e acesso aos bens culturais que carregam a memória e a cultura de um povo.
Defender a demolição, modificação e descaracterização de uma edificação que ao longo da história é reconhecida enquanto ancestralidade e elemento de importância histórica e cultural de um país, de uma localidade ou comunidade - mesmo não sendo este bem tombada administrativamente pelo ente público enquanto patrimônio – é de uma insanidade bestial. Só mesmo um povo sem apreço à memória e a história de seus antepassados é capaz de uma ação criminosa desta monta; diga-se, atitude delituosa prevista, inclusive, na Carta Maior do país e na constituição do Estado de Rondônia.
O não tombamento administrativo do coreto da Praça Mário Corrêa, assim como de várias outras edificações erguidas no centro histórico da quase centenária Guajará-Mirim, por si só, já é negligência da autoridade pública. Aliás, omissão que levou à prática de um crime contra a memória da cidade.
Qualquer ação de intervenção de obra no corpo de edificação de valor histórico e estético deverá ser precedida de detalhado e consistente planejamento, considerando-se as fases de levantamento, de diagnóstico e a proposta de intervenção, sendo esta última (a intervenção) executada com a utilização de técnicas e materiais construtivos tradicionais iguais ou similares às encontradas no local, quando do período de erguimento do bem, resguardando-se as mesmas características e acabamentos.
A intervenção no coreto da praça Mário Corrêa foi ação realizada a toque de caixa, ao arrepio da legislação pertinente ou de qualquer outro gesto ou orientação que preservasse a carga histórica, a técnica construtiva e linguagem estilística da edificação. Uma ação no mínimo suspeita, comandada por vaidosos analfabetos estéticos.
Por ser uma cidade que caminha para seu primeiro século de emancipação política e administrativa, com rico patrimônio material histórico que atesta o tempo, as origem e os vários ciclos econômicos da região, urge o setor competente da esfera pública municipal, em parceria com o governo estadual e órgãos federais concernentes, levantar, quantificar, reconhecer, inventariar, registrar e tombar os bens culturais em função do seu valor histórico ou artístico, dividindo-os ainda em bens imóveis (edificações, marcos, pontes, centros históricos, dentre outros), e móveis (imagens, mobiliário, quadros, entre outras peças), para se garantir a preservação e o reconhecimento da memória coletiva da cidade e da região, assim como possibilitar às gerações futuras, o acesso, a fruição, o estudo e a pesquisa.
Não é mais possível a sociedade guajara-mirense, verdadeiramente preocupada com o legado histórico e artístico de nossos antepassados, permanecer indiferente à destruição da memória e da história local. Participar discutindo, propondo, sugerindo e divergindo é o mínimo de contribuição que cabe a cada morador de Guajará-Mirim – além de ser uma participação legítima, legal, ética e democrática.
É inadmissível assistir inerte, pseuda “elite intelectual” tupiniquim avançar cega e insensivelmente sobre o bem cultural da cidade, apagando a memória coletiva de todos nós.
Aos que discordam de minha opinião, a discussão está aberta, desde que travada dentro do mérito, com maturidade, sem baixarias e agressões pessoais, focando o patrimônio cultural da cidade e nossa memória e história.