Trazer para o debate público o centro histórico da cidade -
a própria cidade ou o conjunto urbanístico histórico que compõe a memória
coletiva e individual da urbe - é uma iniciativa democrática, transparente e
responsável de lidar e perpetuar a história de um povo, a história da cidade, a
história da região e a história do país. Preservar a memória do patrimônio
cultural material e intangível é salvaguardar para gerações futuras, as
experiências acumuladas por uma sociedade ao longo dos tempos, pois é também na
memória do patrimônio cultura das sociedades que está cunhada a visão de mundo,
de cultura, de economia, de religião, de desenvolvimento e tudo aquilo que nos
cerca, envolve e move.
Praça Mário Corrêa - ao centro histórico coreto |
Para melhor compreender sobre o que vamos abordar a seguir
– considerando que nossa proposta é trazer para discussão pública as
edificações históricas de Guajará-Mirim e a maneira irresponsável como
autoridades e lideranças civis lidam com patrimônio cultural da cidade -, é importante entender que se define
como patrimônio histórico um bem material, natural ou imóvel que possui
significado e importância artística, cultural, religiosa, documental ou
estética para uma sociedade, construído ou produzido pelas gerações passadas, e
que representa importante fonte de pesquisa e preservação cultural.
Coreto da Praça Mário Corrêa em sua forma original, telhado em telha francesa marselha (foto 2018) |
Neste sentido, a Organização das Nações Unidas para a
Cultura, Ciência e Educação (UNESCO) é o órgão responsável pela definição de
regras para proteção do patrimônio histórico e cultural da humanidade. No
Brasil, cabe ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN),
a gestão, a proteção e a preservação do patrimônio histórico e artístico
brasileiro.
No âmbito das unidades federativas, existem as secretarias
e órgãos estaduais e municipais, compostos por quadro pessoal qualificado,
responsável pelo desenvolvimento da política pública de preservação,
manutenção, fruição e acesso aos bens que carregam a memória e a cultura de um
povo (ou assim deveria ser, no mínimo).
Coreto da Praça Mário Corrêa: nota-se telhado e forro em madeira |
Guajará-Mirim é o segundo município mais antigo do Estado
de Rondônia. Conforme nos informa o historiador Victor Hugo, em seu livro Os
Desbravadores, "Até o início do século XIX, (...) (a cidade) era apenas
uma indicação geográfica para designar o ponto brasileiro à povoação boliviana
de Guayaramerín”. Naquela época, a localidade que hoje é Guajará-Mirim ainda
era conhecida apenas como Porto Esperidião Marques, povoado localizado às
margens do Rio Mamoré, fazendo fronteira com a sua coirmã cidade de
Guayaramerín, Beni, Bolívia.
Forro original, em madeira do Coreto da Praça Mário Correia (telhado e forro destruídos em 2019) |
Das primeiras décadas de ocupação e desenvolvimento da
região de Guajará-Mirim aos dias atuais, em moldes urbanísticos ocidental, a
cidade amealhou significativos exemplares arquitetônicos que atestam a história
e a história daqueles que aqui chegaram para povoar a região composta pelos
Vales do Mamoré e Guaporé. São edificações que compõem o conjunto urbanístico
histórico da cidade, de singulares fachadas concebidas por linhas estéticas de
outrora, por amplas praças equipadas com coreto e obelisco comemorativo. Um
conjunto arquitetônico encerrados por traços de valor estético, por técnica
construtiva de décadas passadas, de imensurável valia histórica.
Sem sombras de dúvidas que é em Guajará-Mirim que ainda
reside e resiste aquele que pode ser o último, o mais original e ainda completo
conjunto arquitetônico erguidos por gerações passadas. Também é inegável que
referido patrimônio subsiste à deriva, abandonado, carecido da atitude pública
e do gesto responsável da sociedade como um todo, para proteção do bem cultural
local e, desta feita, continuar resistindo e existindo enquanto relatos
testemunhas da história e da memória da cidade.
Coreto da Praça Mário Corrêa, em sua forma original,
Guajará-Mirim, RO.
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Indiferentes ao estilo arquitetônico e à técnica de
construção, sem compromisso algum com a história, a memória e o patrimônio
cultural de caboclos, mestiços, indígenas, beradeiros, nordestinos e pioneiros
que aqui chegaram para erguer a lendária Estrada de Ferro Madeira-Mamoré,
“capitães do mato” autoproclamados benfeitores e protetores de nossa arquitetura
histórica avançaram impiedosamente sobre inconteste símbolo da cidade de
Guajará-Mirim e, em ato tresloucado demoliram o telhado do Coreto da Praça
Mário Corrêa, alegando ser tal atitude – covarde crime contra o patrimônio cultural
da cidade - uma ação de restauro da edificação histórica.
Coreto da Praça Mário Correia, 2019, já com telhado e
forro originais demolidos.
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Forro do teto da Praça Mário Corrêa: confeccionado em PVC: uma agressão à memória arquitetônica da cidade. |
Art.9 - O restauro é
um tipo de operação altamente especializado. O seu objetivo é a preservação dos
valores estéticos e históricos do monumento, devendo ser baseado no respeito
pelos materiais originais e pela documentação autêntica. (...). O restauro deve
ser sempre precedido e acompanhado por um estudo arqueológico e histórico do
monumento.
A preservação e a manutenção do Coreto da Praça Mário Corrêa
enquanto patrimônio histórico da sociedade local é de interesse de
todos, em razão de sua vinculação aos fatos memoráveis que contam a
histórica da cidade de Guajará-Mirim, além do seu imensurável valor social,
artístico e cultural. Ademais, preservar este patrimônio permite-nos montar,
estudar e compreender a história de nossos antepassados, uma vez que o
patrimônio histórico está repleto de informações sobre tradições e saberes da
cultura de um povo.
Mas, lamentavelmente, não foi assim que se deu a
intervenção nesta edificação histórica, símbolo da cidade de Guajará-Mirim. Quem
pensou, planejou e executou a REMORMA (e não RESTAURO) no icônico coreto, fez à
revelia da lei.
Um crime aconteceu aqui. Cabe aos órgãos oficiais
pertinentes, investigação e punição aos culpados. Cabe à população, verdadeiramente
preocupada com nossa história, exigir esclarecimentos das autoridades, sobre aloprada
e nefasta atitude contra nossa memória.
Parabéns, Ariel, pela defesa clara e intransigente do patrimônio cultural, artístico e memorial dos povos de sua terra. Uma aula magnifica sobre estilo arquitetônico e técnica de construção. Sobretudo, sobre a história, a memória e o patrimônio cultural local, construidos por "caboclos, mestiços, indígenas, beradeiros, nordestinos e pioneiros" - que, ao erguerem, a lendária Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, deram importante contribuição para a formação dos povos que os sucederam. São legados patrimoniais que somente a sensibilidade, o conhecimento e a compreensão de pertencimento de seus posteriores, os levariam a respeitar e preservar a história - que, por direito, pertence a todas as gerações.
ResponderExcluirÉ muito triste ver essa última foto do coreto. Parabéns pela página Ariel, é linda. Precisamos denunciar esses crimes contra o patrimônio cultural.
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