Bumbódromo de Guajará-Mirim |
Já
há alguns anos a cultura popular em Rondônia, produtores culturais, artistas,
artífices e grêmios de cultura popular enfrentam as mais colossais e ignorantes
barreiras burocráticas – para não dizer atitudes preconceituosas - para exercer
um direito líquido e certo: o direito à cultura. Os Direitos Culturais, além de
serem direitos humanos previstos expressamente na Declaração Universal de
Direitos Humanos (1948), no Brasil encontram-se devidamente garantidos na
Constituição Federal de 1988, em razão da relevância do tema como fator de
singularizarão da pessoa humana.
Com
o objetivo de assegurar o direito à cultura, assim diz a Constituição: “Art.
215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e
acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a
difusão das manifestações culturais. Garante ainda em parágrafos do mesmo
artigo: § 1.º O Estado protegerá as manifestações das culturas populares,
indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo
civilizatório nacional. § 2.º A lei disporá sobre a fixação de datas
comemorativas de alta significação para os diferentes segmentos étnicos
nacionais”.
Bois Malhadinho e Flor do Campo - lançamento do festival |
Vamos
aos percalços: dias antes, a diretoria das duas agremiações de bumbás – Flor do
Campo e Malhadinho -, autoridades diversas das esferas estadual e municipal,
brincantes e várias equipes de colaboradores trabalharam arduamente na área
onde foi realizado o certame cultural. No dia do evento, por volta das
17h30min, chegou ao local o agente público representando a Polícia
Ambiental. De imediato se instalou um alvoroço, um corre-corre e um sentimento
de incerteza. Gente triste, brincantes nervosos e itens chorando. Correu, como
rastilho de pólvora a notícia de que a ambiental estava ali para embargar o
evento.
O improvável
se instalou na arena de espetáculo. Todos se perguntavam: vai ou não ter o
lançamento da 19° edição do Festival Folclórico de Guajará-Mirim? A titular da
Secretaria de Cultura do município Wisnete de Paula Ojopi se dirigiu à seda da
Polícia Ambiental, em busca de solução. O Deputado Estadual Dr. Neidson também foi
convocado a se fazer presente em mesmo endereço, para atuar em defesa dos bois
e do vento.
Edileuza, Presidente do Malhadinho - lançamento do festival |
Deputado Dr. Neidson e Dr. Wenceslau - lançamento do festival |
A
temperatura da equipe de alegoria do Boi-bumbá do Tamandaré eleva-se a cada
instante, se queixam os artistas vermelhos, em razão das vistorias e visitas incertas
que a autoridade mor do Governador Confúcio Moura realiza na área do
bumbódromo, de maneira 'destrambelhada', alegam, e, o que é pior, se fazendo sempre
ladeada por membros ou brincantes da nação Azul e Branca, afirmam os
artistas vermelhos, alegando também: “eles ‘botam pilha’ na autoridade, que parte pra cima da
equipe de alegorias do bumbá de D. Georgina, inclusive nos ameaçando com
prisões”. Os artistas garantem que tem
gravado em celular o último bate-boca da autoridade em tela, pois suspeitam que
tal personalidade pública goste mesmo é de uma paleta de cores matizada em tom
azul.
Bar do Boi Azul, bumbódromo de Guajará-Mirim |
Barracão em madeira, usado pela nação vermelha |
Para
complicar mais ainda o Festival Folclórico de Guajará-Mirim - que por esta
altura dos acontecimentos mais parece um dramalhão mexicanesco -, por volta do
meio dia desta terça-feira, 22, aportou no bumbódromo equipe do Corpo de
Bombeiros, seguida de diversas autoridades do município e do estado. Resultado
da vistoria: está tudo errado. Vai ser tudo interditado, inclusive vai se
derrubar o barracão de madeira. Todas as estruturas metálicas para confecção de
alegorias terão que ser retidas da área interna do bumbódromo, pois as mesmas
interferem no SPDA (sistema de para-raios).
A
instalação do SPDA, recurso necessário para proteger pessoas e equipamentos,
além do espetáculo e público como um todo, passou a ser mais importante que o
objeto de arte, de tal forma que adereços e alegorias terão que ser retirados
do bumbódromo, para evitar sinistros. É o fim da picada!
Articuladores
e promotores culturais envolvidos com o show que será realizado na próxima
sexta-feira, 25, por ocasião da reinauguração do bumbódromo, já consideram a hipótese de cancelamento da apresentação da Banda Versalle, em razão das
observações apontadas pelo Corpo de Bombeiros Militar. Uma delas, acreditam, é
a imediata retirada das estruturas de alegorias, cenários e adereços do Bumbá
Flor do Campo, que se encontram lá estacionados.
Literalmente
agora a vaca e os dois bois-bumbás vão todos para o brejo, isto é, se o brejo
estivar com as especificidades técnicas e nos conformes da lei, caso contrário
o Corpo de Bombeiro Militar embargará também o brejo.
Resumo
da opereta: em terra de ninguém todos mandam. Manda quem tem e quem não tem um
único vintém; manda fulano, o beltrano e quem nunca foi alguém. Manda a puta, a
própria filha da puta, a igreja, o pastor, o padre e quem mais vem. Manda o
católico, o evangélico, o espírita, o ateu e o macumbeiro também. Manda o
forasteiro, o ‘pitaqueiro’ e a autoridade de plantão que em sua terra nunca foi
ninguém. Só não manda no espetáculo do boi o próprio boi e o cidadão de bem.
Retomando
as declarações do meu amigo e advogado Ernandes Segismundo, o que se constata
muito claramente, com tantos mandos e desmandos no trato da cultura popular, é o
cresce sentimento e desejo firme de criminalização da cultural
popular. Vê-se crescer o cego anseio atropelador na burocracia de parte significativa das
instituições do Estado, que teimam cercear a estética popular. Trata-se, pois,
de fenômeno reacionário e preconceituoso que se espraia por todos os municípios
rondonienses, particularmente onde a cultura popular tem forte expressão. Em
Porto Velho, por exemplo, o carnaval e as quadrilhas juninas, assim como seus
respectivos brincantes, produtores culturais e artistas, estão na constante e
certeira mira do Ministério Público Estadual, da Polícia Militar, do Corpo de
Bombeiro Militar, da Companhia de Trânsito, dentre outros organismos públicos. Não é raro dentre titulares e agentes públicos destas instituições, sem disfarçar preferências
religiosas – ignorando preceitos constitucionais do Estado Laico – valendo-se
de interpretações hipócritas e esdrúxulas da lei, buscarem impedir a expressão cultural do
povo simples, compreendendo este relevante patrimônio cultural imaterial, traço
identitário marcante de caboclos e beradeios, como sendo manifestação
demoníaca, algazarra de baderneiros e ateus, atitude de gente desagregadora da sagrada
família brasileira.
Em
Guajará-Mirim a situação não poderia ser diferente, haja vista as tradições
cultuais do município e o forte enraizamento que a cultura popular tem em
terras perolenses. Para finalizar esta modesta elucubração, cito aqui trechos de
um artigo por mim assinado, sob o título “O Samba no Ministério Público”,
divulgado no meio midiático portovelhense, em fevereiro de 2011, por ocasião
dos preparativos do carnaval daquele ano: “Ao ser convocado ao MP de Rondônia,
para tratar de cultura popular (boi-bumbá, escola de samba e quadrilha
junina), já vou com uma certeza: de
participar de um debate onde a cultura popular, a identidade cultural, o mestre
da cultura e o produtor cultural local participam sempre sentados no banco dos
réus. Está longe o tempo – que todos nós sonhamos - em que um dia
seremos chamados para escutar do MP, medidas que garantam a manifestação
cultural popular como um direito imanente e indispensável ao pleno exercício da
cidadania. Conhecer atitudes do MP que enquadrem os poderes executivos,
cobrando dos mesmos, a institucionalização de políticas públicas
continuadas, protetoras e democratizadoras do bem cultural imaterial”.
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