sexta-feira, 5 de setembro de 2014

O DEBATE POLÍTICO DE GUAJARÁ, AS MESMICES E AS FOGUEIRAS DAS VAIDADES




Francisco Assumpção, Presidente da AFAG
Foi realizado dia, 02, terça-feira, no Auditório do Centro de Treinamento São José, da diocese de Guajará-Mirim, o Debate Político (ou sabatina) entre os candidatos da região da Pérola do Mamoré, que disputam o pleito eleitoral de 2014, para ocupar cadeira na Assembleia Legislativa do Estado de Rondônia. O confronto político foi realizado pela Associação dos Filhos e Amigos de Guajará-Mirim (AFAG), e contou com a participação de grande público, dividido em correligionários, coordenadores de campanhas, ‘formiguinhas’, familiares, eleitores, lideranças dos movimentos sociais, autoridades públicas e eclesiásticas.

Relatar aqui o que cada candidato apresentou como currículo e proposta de trabalho (algumas inclusive surrealistas e outras acanhadas), se fará uma leitura tediosa e desinteressante para o leitor, e não ajudará o eleitor indeciso decidir seu voto (sem querer ser pretensioso e arrogante).

Candidatos que participaram do debate político  da AFAG
Participaram do debate os postulantes Cerzinando de Souza Pessanha, o Pessanha (PSB); Fábio Garcia de Oliveira, o Netinho (PDT); Lucila Socorro de Oliveira, Profa. Lucila (PEN); Onildo Cunegundes Moraes da Silva, o Onildo (PTN); Ronaldo Fernandes de Almeida, o Galego (PT do B); Neidson de Barros Soares, o Dr. Neidson (PT do B); José Antônio Barbosa da Silva, o Dr. Barbosa (PRB); Cícero Alves de Noronha Filho, o Noronha (DEM), e Marileth Soares Deniz, a Profa. Marileth (PT).

O debate realizado pela AFAG é uma atividade do Projeto Guajará Em Ação, lançado no início de 2014, a partir da divulgação de um manifesto em defesa da cidade, da cidadania, do voto consciente e ético e em favor de se eleger candidatos naturais de Guajará-Mirim ou aqui radicados, compromissados com o desenvolvimento da região e com o bem-estar da gente mamorense.

Os primeiro e segundo blocos - e talvez os mais enfadonhos e surrealistas - foram reservados para cada candidato discorrerem sobre seus currículos e principais propostas de ação parlamentar. Sem sombra de dúvidas, nestes dois momentos, após todas as apresentações, não era possível separar uma única alma errante, para enviá-la ao inferno. Todos se colocaram como o mais eficiente, o mais ético, o mais honesto, o mais apaixonado por Guajará-Mirim, o mais devotado por sua gente, o mais capaz e habilitado para defender os interesses, as vontades e os sonhos da nossa população. Resumo da ópera: tínhamos ali, diante de nossas retinas, uma constelação de figuras angelicais e inocentes. O melhor seria enviar a todos - sem exceções - para Assembleia Legislativa de Rondônia. Melhor ainda, o ideal seria despachar, direto para o paraíso, todos aqueles anjinhos, para ornarem a auréola de Nosso Senhor.

Auditório do Centro de Treinamento São José
No terceiro bloco, todos os candidatos responderam sobre temas sorteados. Nesta fase, esperava-se uma discussão mais acalorada e aprofundada, onde cada candidato demarcaria território, se apresentado com falas plainadas, demonstrando conhecimento sobre os temas sorteados, discorrendo com noção mínima sobre os problemas crônicos que afligem cada área e apresentando suas proposições para sanar os entraves. Não foi o que se viu. Lojas Francas, Porto Oficial, Educação e Saúde foram os temas sorteados e abordados. Foi um festival de sofríveis falas genéricas, onde era possível apurar uma imensa falta de conhecimento de alguns candidatos que, sem o menor pudor, valia-se da pedagogia do “embromeichon”, desfiando um rosário de chavões e frases do jargão político; verdadeiro e cansado conjunto de velhas falas empoeiradas e ditas a esmo; as mesmices argumentações rasas e as viciadas posturas de quem fala sobre o que não conhece ou pouco entende, salvo raríssimas exceções.

O cidadão e eleitor ali presente, ou mesmo os que acompanhavam o debate de suas casas, do trabalho e dos mais variados locais da região urbana e rural do município, através da transmissão ao vivo da Radio Educadora de Guajará-Mirim, certamente concluiu ao final deste bloco, sem fazer muito esforço, a lamentável ausência de um projeto político partidário, coletivo, discutido com todos os setores da sociedade, referenciado nos anseios, sonhos e necessidades do cidadão, do empreendedor e do setor público, capaz de tirar Guajará-Mirim do isolamento político, recolocando-a em merecido e elevado cenário estadual de decisões e referências exitosas.

O que imperou, neste momento, foi o discurso do ‘eu’. Cada candidato, (novamente salvo raríssimas exceções), jogava o máximo de combustível em sua própria “fogueira das vaidades”, abanando freneticamente para flamejar o máximo possível, e assim ofuscar a fogueira do concorrente ali ao lado.

Dr. Neidson, PT do B
Sobre o tema saúde, a melhor fala veio da candidata Professora Lucila (PEN), ao afirmar que Guajará-Mirim é o único município do estado que tem um hospital regional municipalizado, defendendo ainda, a transferência do HR para a esfera estadual, uma vez que a Prefeitura Municipal não tem a menor condição de manter referida estrutura, afirmou a candidata. Bastante aplaudida, Lucila ofuscou a performance do Dr. Neidson (PT do B), que tem o tema da saúde como corro chefe de sua campanha. Aliás, sobre este tema, o médico versou de forma muito acanhada.

Quando o tema educação entrou em pauta, todos os candidatos, em coro, afirmaram o óbvio: “a educação é muito importante”. Ninguém, em sã consciência, tem duvidas desta frase. Em todo universo, só conheço uma única pessoa que pensa contrário, e anunciou para o mundo ouvir. Ivo Cassol, Senador da República e ex-governador, que um dia, em um rompante rasgo de arrogância, afirmou que educação não era importante, para o desespero de professores, trabalhadores em educação, pais e alunos.

  Em um debate político, não ir além da leitura rasa, se mantendo nas mesmices e nos velhos chavões – “educação é tudo” - é “chover no molhado” e muito decepcionante para o eleitor. Do analfabeto ao letrado, do rico ao pobre, do centro à periferia, todos reconhecem na educação a alavanca das transformações. Esperava-se dos candidatos uma discussão mais arraigada, profunda, com mais consistência, se expondo as questões locais e sinalizando soluções para a área da educação.

Professora Marileth, PT
As candidatas e professoras Marileth (PT) e Lucila (PEM), por conta de suas experiências, trataram do tema com certa desenvoltura e segurança. O candidato Galego (PT do B), com seu jeito popular, foi um pouco além, citando o Plano de Cargos, Carreira e Remuneração (PCCR). Fábio Garcia de Oliveira, o Netinho (PDT), de forma tímida defendeu a criação da Universidade Estadual, a funcionar em Guajará-Mirim e, acertadamente, a criação de uma escola estadual no bairro Jardim das Esmeraldas.

O assunto Porto Oficial foi, sem sobra de dúvidas, o tema que mais suscitou discursos equivocados por parte de quase todo o elenco de candidatos. As falas sobre este tema rumaram na direção da necessidade de se reestruturar melhor o porto oficial da cidade, por onde passam turistas e mercadorias exportadas para o país vizinho. O candidato Noronha (DEM) afirmou o inegável: “nós não temos um porto. O que temos é beira de barranco,” jogando a culpa no Governo Federal. Já o candidato Dr. Barbosa (PRB), fez discurso mais coerente, se destacando dos demais, lembrando que o posto aduaneiro lá existente, hoje em péssimas condições por conta das inundações do Rio Mamoré, será deslocado daquela região, em breve, passando a funcionar com seus serviços de fiscalização e controle, na cabeceira da Ponte internacional Brasil-Bolívia, após sua construção, reafirmando ainda, que tanto o nosso porto, quanto a ponte a ser construída, ambos tem caráter de integração de povos, o que difere de um  porto de exportação e importação. O candidato Galego (PT do B) defendeu uma estrutura portuária para atender também aos ribeirinhos e o candidato Onildo (PTN) defendeu a reordenação daquela região, no viés do turismo e do lazer, com a construção de uma avenida beira-rio.

Dr. Barbosa, PRB, tem confronto direto com Noronha, DEM
O tema instalação de Lojas Francas em municípios da faixa de fronteira, assunto da maior relevância para o fortalecimento da economia local, para geração de emprego e renda, foi, no meu entender, o tema mais embaraçoso para maioria dos postulantes. Neste bloco, alguns confundiam, flagrantemente, Lojas Francas com Área de Livre Comércio, fazendo uma grande ‘mistureba’ durante suas falas, deixando muito claro o profundo despreparo e total ausência de propostas consistentes para esta área. Foi durante este bloco que aconteceu o momento de maior tensão do debate, a partir de um confronto direto estabelecido entre Noronha (DEM) e o Dr. Barbosa (PRB), deixando a todos perplexos e com olhares surpresos em direção à mesa. Durante sua fala, o candidato Dr. Barbosa (PRB), sem economizar adjetivos não elogiosos à Associação Comercial de Guajará-Mirim, disparou uma saraivada de críticas àquela instituição associativa, acusando-a de não ter capacidade de promover o agrupamento de seus associados, envolvendo-os em uma discussão propositiva, em favor das Lojas Francas e da Área de Livre Comércio de Guajará-Mirim, deixando assim, de saia justa, se contorcendo todo, como se estivesse sentado em um formigueiro, o candidato Noronha (DEM), ungido pela Associação Comercial. Noronha (DEM), que se pronunciou na sequência, se defendeu e defendeu a associação, alegou que o candidato Dr. Barbosa (PRB) raciocinava sem conhecimento de causa e sem propriedade. O candidato do PRB pediu direito de resposta e reafirmou sua posição e argumentações, levando Noronha (DEM) a ouvir, pela segunda vez, as críticas dirigidas à Associação Comercial.

Aquele que poderia ser o ápice do evento, o melhor momento do debate - quando o público presente participou ativamente da sabatina, através de perguntas por escrito e sorteadas - foi, no meu entendimento, o mais decepcionante dos blocos, não em razão do teor das perguntas, mas sim, pelo adiantado da hora, pelo cansaço e o esvaziamento do evento. Foi o penúltimo bloco, acontecendo quando já haviam se passado mais de três horas de embate, e o auditório se encontrava significativamente vazio. Lamentável.

O Debate realizado pela AFAG cumpriu seu papel, qual seja: de ajudar o eleitor – o que estiver predisposto - a decidir seu voto. O eleitor poderá direcionar, ou mesmo redirecionar seu voto, a partir de algumas análises dos candidatos, tanto de seus discursos, quanto de suas desenvolturas. O eleitor poderá, também, avaliar outros aspectos, como por exemplo, considerar a performance dos postulantes a partir do “palmômentro” do auditório. Sem nenhuma dúvida, disparado, o melhor candidato é o Dr. Neidson (PT do B). Porém, vale ressaltar que o mais aplaudido, no meu entendimento, desenvolveu fala bastante acanhada durante suas respostas, inclusive na área da saúde, quando todos esperavam o médico surfando na crista da onda.  Para um eleitor crítico, este é um dado relevante. Ainda no quesito “palmômentro”, também se destacaram Noronha e Netinho. É bom ressaltar que todos os candidatos levaram suas respectivas torcidas organizadas, logo, a avaliação do “palmômetro” não é garantia de acerto. Ficou com o “troféu fala empolgante”, o candidato Galego (PT do B), sendo o seu melhor momento, o compromisso ali firmado que, se eleito, irá levar para seu gabinete Noronha (DEM) e Pessanha (PSB), pessoas competentes para assessorá-lo, segundo Galego (PT do B). O público presente desabou em estrondosa gargalhada, deixando os candidatos citados desconsertados.

O debate serviu para desnudar os candidatos das velhas posturas e táticas viciadas de campanha; das falas impregnadas de verborreias, sem qualquer sentido, inservível para balizar o voto do eleitor. Certamente, todos os candidatos saíram dali, fazendo uma reflexão sobre suas práticas de campanha. Para um bom entendedor, meia palavra basta e para os candidatos mais atentos, que compreenderam os propósitos do debate, seguramente saíram do embate político dispostos a promover reajustes em suas propostas. A sabatina da AFAG também serviu para calibrar melhor a fala de cada candidato, conscientizando-os, ainda, da necessidade de se buscar um maior diálogo com todos os setores da sociedade, em particular com os movimentos sociais, sindicais e populações historicamente excluídas, para, desta feita, se construir um autêntico projeto político coletivo e partidário.

Em suma, no Debate Político promovido pela AFAG ganhou o eleitor, ao analisar cada candidato, perceber suas contradições e suas potencialidades, identificando, ainda, embustes e mesmices em cada proposta e, assim, separar proposições com possibilidades de materialização exitosa. Ganhou o cidadão e o eleitor, por ter a condições de, naquele momento, reprovar nomes e posturas revestidos pela “fogueira da vaidade” e, em outra margem, considerar os bons candidatos, com concreto projeto de atuação parlamentar, exequível, que o eleitor, até então, não tinha visibilizado. Ganhou a democracia.

Para mim, particularmente, pude compreender melhor porque, há quase duas décadas, Guajará-Mirim não elege um representante estadual. Não sei se isto já será possível neste pleito, mas a ação da AFAG é, com toda certeza, o início de uma caminhada que irá recolar Guajará-Mirim, num futuro bem próximo, em frondosa posição do cenário político rondoniense.

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