terça-feira, 19 de abril de 2011

GUJARÁ-MIRIM E O SEU PASSADO ESQUECIDO

Por Ariel Argobe (*)

Caminhar pelas ruas centrais da cidade de Guajará-Mirim, em um final de tarde, sem pressa, explorando com olhar apurado detalhes plásticos, adereços arquitetônicos e elementos estéticos adornadores de antigos prédios e sobrados erguidos na região central da cidade, mergulhando a retina nas quase intactas fachadas históricas, espraiando olhar investigativo por sobre as linhas urbanísticas de ruas e praças definidas por plástica que envolve e define o centro histórico da cidade é, sem dúvida alguma, uma aventura de riquíssima experiência estética que nos transporta através dos tempos para o nosso passado ainda presente, entrincheirado, insistentemente resistindo ao implacável desgaste natural dos anos, à ação covarde do inescrupuloso analfabeto estético e ao desmando de autoridades descompromissada com a memória beradeira.


De ar bucólico e aprazível ritmo de interior, a cidade rondoniense que é carinhosamente conhecida sob o pseudônimo de Pérola do Mamoré, segundo nos informa o historiador Victor Hugo, em seu livro Os Desbravadores, "Até o início do século XIX, (...) (a cidade) era apenas uma indicação geográfica para designar o ponto brasileiro à povoação boliviana de Guayaramerín”. Naquela época, a localidade que hoje é Guajará-Mirim ainda era conhecida apenas como Porto Esperidião Marques, povoado localizado às margens do Rio Mamoré, fazendo fronteira com a sua co-irmã cidade de Guayaramerín, na Bolívia.

Após nove décadas de fundação da cidade que abriga a estação final da lendária E.F.M.M., é possível observar no conjunto de exemplares arquitetônicos ainda existentes no núcleo central de Guajará-Mirim, erguidos nas primeiras décadas do século XX, que no processo de desenvolvimento e ocupação, a Pérola do Mamoré cunhou sua história e a história daqueles que aqui chegaram para desbravar e desenvolver a região composta pelos Vales do Mamoré e Guaporé, através da construção de edificações que hoje completam um conjunto urbanístico dotado por singulares fachadas de épocas e por praças e coreto, concebidos com linhas arquitetônicas de outrora.

É em Guajará-Mirim, uma pacata urbe com imensurável potencial para exploração do turismo ecológico, religioso, de negócios e cultural - sobretudo a cultura de caráter popular imaterial e o patrimônio histórico material -, que reside aquele que pode ser o último, o mais original e ainda completo conjunto arquitetônico urbano do Estado de Rondônia, com poucas intervenções aderecistas poluidoras e alteradora da linha estética original definidora da obra. São arquiteturas que retratam e traduzem a ocupação recente desta região. Porém, é um patrimônio claramente afetado pela paulatina e implacável ação do tempo e pela ausência do Estado, com necessária e indispensável ação das políticas públicas preservadora e perpetuadora do bem cultural histórico.

Aventurar-se por entre este autêntico palco histórico – ainda que cenário abandonado, mas com capacidade de nos remeter à vida e ao ritmo do início do século XX - dando asas a nossa imaginação, deixando fluir lembranças e buscando reminiscências de outros tempos, poderá se transformar, talvez um dia, em um passeio de agradável deleite estético e conhecimento histórico para turistas, alunos e professores que queiram reviver o passado local, entender a nossa história recente, o processo de ocupação, de exploração e de desenvolvimento da região.


Este passeio histórico, agradabilíssimo e descontraído, se concebido a partir do comprometimento, do cuidado e do zelo necessários, assumidos e protagonizados pela autoridade pública, desenvolvido em parceria com empresários da indústria do turismo, muito provavelmente se tornaria em uma das mais importantes e lucrativas atividades turística de Rondônia e do município de Guajará-Mirim.

Para que referidas ideias sejam possíveis, se faz necessária a implantação e realização de um amplo e completo programa de educação patrimonial, voltado para população local, dotado de mecanismos que tenham a capacidade de suscitar na sociedade guajaramirense o sentimento da preservação, do respeito e da manutenção deste imensurável patrimônio cultural; desenvolvendo também ações de conscientização às autoridades do município e ao empresariado local, produtores cultuais e mestres da cultura popular, fitando despertar nestes segmentos a importância do patrimônio histórico como mola propulsora e geradora de emprego, renda e fonte de fortalecimento da economia local.

Em resumo, o conjunto arquitetônico da primeira metade do século XX existente no centro histórico de Guajará-Mirim, constitui-se em um agrupamento de peças patrimoniais de requintado valor sentimental, estético e histórico que sobrevivem teimosamente, quase que inalteradas, chegando aos dias atuais como irrefutáveis testemunhos da nossa história, porém esquecidas e abandonadas pela total ausência de políticas públicas para preservação da memória da cidade.

A preservação do patrimônio histórico de Guajará-Mirim é compromisso inarredável de todos, para garantia do desenvolvimento e fortalecimento da economia da região, para perpetuação da história e da memória local e para conhecimento e conscientização das gerações vindouras, sobre a história e a identidade cultural constitutiva de Guajará-Mirim e do Estado de Rondônia.


(*) Ariel Argobe é Professor licenciado em artes visuais, artista plástico e carnavalesco.


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Um comentário:

  1. De fato, encontram-se em ausência, as iniciativas de preservação do patrimônio hitórico em todo o Estado, parece-me que ainda não nos livramos do conceito colonialista, Guajar´-Mirim ainda guarda patrimônios que constroem a nossa história e guardam nossas origens, urge que o rondoniensse valoriza sua identidade real, como povo ribeirinho, como amante da natureza, para tanto, precisamos de direigentes sensibilizados com o tema. exelente texto, só vem traduzir, a inquietação do povo originári desta região que vê no cotidiano suas raízes sendo arrancadas e mortas, deixando-nos nessa triste melancolia, "que saudade daquele tempo"...

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