quinta-feira, 5 de agosto de 2010

SÍLVIO SANTOS BRILHA NA ESCURIDÃO

Por Antônio Serpa do Amaral Filho (Basinho)


Apesar da Fundação Iaripuna ter deixado o palco às escuras, por falta de iluminação artística, o show de Sílvio Santos brilhou no escuro da noite como um diamante fosforescente desafiando as trevas da falta de sensibilidade operacional dos nossos gerentes administrativos. A apresentação do incandescente compositor e folclorista Sílvio Santos aconteceu no último circuito do projeto “Ernesto Melo e a Fina do Samba”, apresentado dia 30 de julho, na sexta-feira passada, no Mercado Cultural, no centro histórico de Porto Velho. Em que pese o projeto Fina Flor do Samba ser hoje o maior ponto de encontro de sambistas da capital e ser também a produção cultural que mais divulga uma das maiores obras do prefeito Roberto Sobrinho, o Mercado Cultural, a administração petista insiste em tratar o projeto com a miopia digna dos que têm olhos sãos e não querem enxergar um elefante branco trotando à luz do dia. Sílvio, que não dá bom dia a cavalo, foi providencialmente irônico e, na abertura do seu espetáculo musical, cumprimentou e agradeceu ao Tatá, presidente da Fundação Iaripuna, “o patrocínio da iluminação do show”. A platéia compareceu em massa, curtiu, cantou e dançou, prestigiando a performance do compositor.

Trajando um blazer estiloso, Sílvio inaugurou seu leque repertorial com “Amor de Quatro Dias’, relembrando nostalgicamente, ainda que de passagem, o caso de amor da dupla mais romântica dos velhos carnavais: os clássicos Pierrot e Colombina. E a partir daí seguiu desfiando seu novelo de composições, surpreendendo a quem só o conhecia como amo de boi e jornalista do Diário da Amazônia e maravilhando quem já sabia desse seu potencial. O samba do Cara de Paca, como também é chamado, tem a marca da heterogeneidade, tanto temática quanto estilística. Daí ele ser capaz de encerrar um belíssimo samba-canção e ingressar frenético em meia dúzia de sambas-enredos, depois de ter passeado de sapatinho branco na passarela do samba de breque. Em “Porto, Velho Porto” sua veia memorialista deságua na ilharga de uma suburbana cidadela temperada pelo papo sadio, pequenos senões e uma beleza sem par numa Porto Velho de João Barril que ninguém imaginava que fosse se transformar no que é hoje. Acelerando o andamento e colocando no arranjo um acorde perfeito maior, Zé Katraca, como também é conhecido o compositor, apresentou ao público seu pout porri de marcantes e vitoriosos sambas-enredos, construídos a partir de profundo mergulho na literatura nacional e internacional, na lembrança dos personagens históricos do país, da cidade e do nosso carnaval, como Camões, o poeta genial, e Afonso Henriques, fundador da primeira dinastia (de Borgonha), Marize Castiel, o bairro Caiari, a feira e outros. A canção “Odoiá Bahia”, feita em parceria com Valdemir Pinheiro da Silva, o Bainha, merece registro especial por ter sido a grande vencedora do primeiro Festival de Música Popular Brasileira de Rondônia – o FEMPOBRO. Uma outra pétala clássica do buquê de notas musicais de Sílvio, a lendária “Ceará, Lendas, Rendas e Crenças”, escrita em parceria com Babá e Haroldo, fez o público relembrar e cantar junto uma das mais bonitas páginas da composição regional no gênero samba-enredo. Nesse momento de absoluto êxtase musical, depois de ter reverenciado o também compositor Ernesto Melo, cantando Veriana, de 1984, todos os espíritos que perfazem a história e a memória da cidade desceram no centro histórico, como se estivessem sendo abduzidos por seus cavalos no chão de terra batida de Santa Bárbara e Samburucu. Para fechar em grande estilo sua apresentação e mostrar o potencial criativo da gente Guaporé só faltava mesmo Sílvio Santos convidar o povo a cantar as marchinhas do maior bloco carnavalesco da Amazônia ocidental, a Banda do Vai Quem Quer - o que foi feito. A lua brilhando no céu e a fluorescente poesia do samba reluzindo em frente ao Palácio Presidente Vargas deixaram uma só certeza: nada substitui o talento e a espiritualidade da gente desta terra, em meio ao violento processo de transformação por que estamos passando. Apesar dos pesares, o show de Sílvio Santos brilhou na escuridão cênica do Bar do Zizi. Salve o compositor popular!


(*) Antonio Serpa do Amaral Filho é poeta, escritor e articulista cultural

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