segunda-feira, 19 de abril de 2010

A propósito da ESQUERDA e da DIREITA, do CENTRO e da PERIFERIA



Por:
Ariel Argobe e Roberto Farias (*)

Neste mês de maio, a apresentação do renomado pianista Arthur Moreira Lima em Porto Velho completou um ano. O concerto foi realizado no bairro Esperança da Comunidade, zona leste da cidade, por decisão dos então dirigentes da Fundação Iaripuna. A escolha do local gerou inúmeras e inesperadas reações.

Algumas pessoas acreditavam que o local escolhido não era o mais apropriado por tratar-se da periferia, portanto exposto aos riscos da violência urbana, segundo a lógica que afirma existirem locais seguros e zonas estritamente violentas em Porto Velho. Outros diziam que era "jogar pérolas aos porcos" levar a música erudita para pessoas que naturalmente teriam preferência por gêneros musicais populares. A ocasião serviu para expor as diferenças entre os diversos "brasis", entre as diversas "portovelhos".

Serviu para conhecermos melhor a nossa cidade, nossos bairros populares e seus moradores, nossos dirigentes, os agentes culturais locais e suas posições ideológicas.

Aproveitamos a presente ocasião para contribuir para o debate sobre o apartheid sociocultural que vigora em nossa comunidade, seus riscos e possibilidades de alteração da situação vigente a partir da implementação efetiva – não apenas discursiva – de políticas públicas centradas na inclusão sociocultural como elemento efetivo na busca por uma sociedade equilibrada, justa e democrática.

Antes, porém, gostaríamos de fazer referência a uma recente reportagem publicada na revista Caros Amigos, onde diversos representantes de diferentes segmentos da sociedade tentam responder à pergunta "O que é ser de esquerda?". Na excelente matéria, o publicitário Celso Loducca nos lembra, por exemplo, que muitas das bandeiras da esquerda tornaram-se, ao longo dos anos, "pautas da humanidade". E tal situação tem levado muitos a concluir, apressadamente, que não existe mais uma esquerda e uma direita propriamente ditas. Da mesma forma, o discurso pós-moderno nos diz que os conceitos de "centro" e "periferia" foram, ou estão sendo ressignificados, na medida em que nem tudo o que ocorre no centro reverbera, qual ondas concêntricas, na periferia. Tal raciocínio leva muitos a apregoar o fim da divisão entre centro e periferia.

Se, na sociedade globalizada, pós-moderna, fica cada vez mais difícil identificar claramente posturas oriundas de uma posição à esquerda ou à direita, do centro ou da periferia, no âmbito da nossa circunvizinhança é sim possível, ainda, identificá-las, como no caso do concerto de Arthur Moreira Lima em Porto Velho.

O projeto Um Piano pela Estrada – Nos Caminhos da Fronteira, financiado pela Caixa Econômica Federal e Petrobrás, através da Lei Rouanet, levou a várias cidades brasileiras fronteiriças, desde a região Sul até a Amazônia, um dos artistas da música erudita atual mais conhecidos, considerado uma das mais importantes personalidades da nossa cultura. Arthur Moreira Lima projetou-se internacionalmente a partir do Concurso Chopin de Varsóvia e, desde então, o artista tem feito turnês em todos os continentes, com grandes salas lotadas. Reconhecido e elogiado pela crítica especializada, o pianista tem-se apresentado em importantes eventos, a partir de grandes formações sinfônicas mundialmente renomadas.

Em Porto Velho, em princípio, os organizadores do evento demonstraram interesse de desenvolver os projetos em uma aldeia indígena. A Fundação Iaripuna, então, a pedido da AML. Cultural, manteve contatos com lideranças indígenas karitiana e representantes da FUNAI para estudar a possibilidade de atender à solicitação. As condições de acesso das estradas vicinais e as dificuldades estruturais, em particular a falta de energia elétrica, fizeram com que essa idéia inicial fosse abandonada. Foi nesse contexto – e levando à risca a orientação de "governar da periferia para o centro", compromisso assumido em campanha pelo então candidato de esquerda Roberto Sobrinho – que os organizadores locais escolheram, sem pestanejar e sem máscaras, o campo anexo à Associação dos Moradores do bairro Esperança da Comunidade para a realização de tão significativo evento.

O local contemplado tem uma população de perfil socioeconômico que coadunou com a proposta do Projeto Um Piano pela Estrada – Nos Caminhos da Fronteira, concerto popular de piano com cunho didático.

Qual não foi a surpresa quando algumas pessoas direta ou indiretamente ligadas ao segmento cultural opuseram-se ferozmente contra o local escolhido. A imprensa anunciou o evento, mas com ressalvas. E mesmo pessoas muito próximas ao prefeito de esquerda também tomaram posições, ora questionando, ora ironizando e até mesmo torcendo para que algo desse errado. Houve quem entrasse em contato com a AML Cultural, executora do projeto, alertando para os riscos que o local, na sua opinião, apresentava. Contaminado por essas idéias preconceituosas, o produtor do evento, de última hora e numa manobra forçada, tentou mudar o local da apresentação para o centro da cidade, alegando risco de roubo dos equipamentos. Um professor da Universidade Federal de Rondônia foi à Fundação Iaripuna apresentar-se indignado, colocando-se à disposição para conseguir "um local mais apropriado". Diante da negativa, o professor quis saber se a Prefeitura estava preparada para indenizá-lo, caso o seu Corola fosse danificado ou roubado.

Como se pode perceber as pressões foram grandes, mas contrariando todos os agouros, vivemos, naquela noite de 19 de maio de 2006, um momento mágico: uma belíssima apresentação sorvida com emoção por um público educadíssimo, plural, multifacetado, que guardará para sempre a lembrança de um evento raro, realizado no bairro de sugestivo nome: Esperança da Comunidade.

Localizado entre as Zonas Norte e Leste de Porto Velho, o bairro Esperança da Comunidade surgiu a partir da década de 80, com a instalação de famílias oriundas de lugares diversos, como: zona rural, zona ribeirinha, região Nordeste, garimpos do rio Madeira e Bom Futuro, e aventureiros de toda ordem. Com o passar dos anos, a região foi ganhando ares urbanos, por exemplo, com o asfaltamento das principais vias, construção de escolas, postos de saúde, delegacia de polícia, quadras de esporte, igrejas dos mais variados credos, conjunto habitacional e o surgimento de um pujante comércio formado por grupos empresariais consolidados na cidade. De forma que ali vive hoje aproximadamente um terço da população de uma cidade que atinge atualmente cerca de 400 mil habitantes.

Esse episódio parece provar que, infelizmente, ainda estamos longe da situação ideal em que não haverá mais centro e periferia, esquerda e direita, ou estratificação social.

A propósito da esquerda e da direita, a jornalista Tereza Cruvinel, na referida matéria da Caros Amigos, numa citação atribuída a Simone de Beauvoir, diz: "Se lhe apresentarem um homem que se apressa a dizer que não vê diferença entre esquerda e direita, tenha certeza de estar falando com um homem de direita".

* Ariel Argobe – artista plástico e membro do Grupo Cidade, Cultura e Inclusão. Roberto Farias (in memória) – professor e membro do Grupo Cidade, Cultura e Inclusão.

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